sexta-feira, 6 de agosto de 2010

As memorias de um eis combatente No 4

Vale de Zebro


Escola de Fuzileiros

.... “o Paraiso”....
Nesta unidade preparava-se a Elite dos Boinas Pretas. Não desfazendo da capacidade de todas as outras Tropas Especiais Portuguesas.
Enquanto estávamos no nosso curso, foi-nos comunicado pelos instrutores, havia algum tempo atrás, que num dos cursos de Fuzileiros Especiais, tinham tido a visita de uma equipa de Fuzileiros Norte Americanos, para frequentar o curso que decorria naquela altura. Disseram que eles não conseguiram chegar a meio do curso. (The American Marines, the tough American guys), os homens que tanto têm combatido por esse mundo fora, não conseguiram aguentar um curso de Fuzileiros Especiais em Portugal.
Passando à frente:
Não vou conseguir contar tudo em detalhe pois já passaram muitos anos, mas vou fazer o melhor possível.
O curso começou a 17de Outubro de 1968, um curso muito duro por ter sido curso de Inverno, o que se prolongaria até, e por ironia do destino, ao 25 de Abril de 1969, no dia que 5 anos depois se viria a dar a revolução dos cravos em Portugal.
Enquanto à instrução dentro da Escola:
Nada começava sem a habitual formatura, pois era aqui que começava a disciplina.
Fizesse sol, chuva, frio, trovoada ou caíssem raios mas sempre a horas alternadas. Noutras horas, havia ginástica no ginásio, onde se treinava também box, judo e luta livre.
Lá fora nas pistas e nas marchas no lodo, sempre vestidos de fato-macaco, botas de lona e espingarda.
Na pista de cordas com saltos para o lodo, certas manhãs às cinco, tocava a levantar e de imediato vestia-se o macaco, calçavam-se as botas e lá íamos para a pista do lodo. Especialmente nas manhãs mais frias com gelo por cima do lodo. Nessa idade, não há nada que possa parar os jovens, que estão a ficar prontos para tudo.
Pista e travessia de cordas nos eucaliptos, a uma distância bem elevada do solo (esta mais conhecida pela aldeia dos macacos), pista esta que, no final tinha a descida da morte, em queda livre por corda. Foi nesta descida, onde dois camaradas nossos, devido à corda estar molhada, não se conseguiram aguentar e caíram de uma altura ainda bastante elevada, um partindo uma perna, o único jovem que tinha vindo até nós dos Açores, de nome; João Serpa da Rosa, de quem irei falar mais tarde. O outro teve mais sorte, pois não lhe aconteceu nada, este não vou tentar mencionar o nome pois não me lembro exactamente. Se ao acaso houver alguém que conheça esta história, que me oriente com nomes e datas, uma passagem que o meu amigo Luis terá com certeza mais vívida na sua memória.
Mais à frente, para o lado de Coina, existia outra pista de ginástica, esta assente no solo mas bastante dura também.
Todos os dias havia treino de tiro ao alvo, na carreira de tiro, dentro da escola com a G3, outras vezes, mas menos, com a pistola Walter; havia também sessões de treino na desmontagem, limpeza e montagem de armas.
Por vezes e pela calada da noite, alguns juntavam-se e iam dar uma volta lá por fora para sentir talvez um pouco de liberdade, ou talvez só por uma aventura, mas voltando sempre à unidade e à caserna e dormir, para no dia seguinte estarem em forma.
A 15 ou 16 Dezembro de 1968 (todos os alunos divididos em três grupos, o que aqui já se começou a chamar destacamento) marcharam com todo o equipamento, rumo à Serra da Arrábida, sempre pelo mato e a pé; até se atingir a serra onde se iria treinar por duas semanas.
Dois dias de marcha para chegar, dormindo no caminho para descansar por algumas horas, uma vez que o peso do equipamento e mochila era bastante.
Ja na serra treinos diurnos e nocturnos (como se já se estivesse em operações em Africa para onde iríamos depois do curso), escaladas e descidas pelas falésias e encostas de rocha lisa com e sem cordas.
Desembarques em LDM no Portinho da Arrábida, saltando da lancha a 30 ou 40 metros da areia.
Para os mais baixos, sem outra ipotese tinham que nadar ate ter pe', ao saltarem para a água.
Marchas de reconhecimento na ilha de Tróia:
De vez enquanto e quando em marcha, emboscadas foram feitas pelos instrutores.
E numa destas emboscadas e no cimo da serra ouviu-se em voz bem alta a anunciar: GRANADA, que foi lançada por um dos instrutores, ouve-se um rebentamento e um grito de dor no meio do mato, veio-se a saber depois que, um aluno que além do azar ainda teve sorte, ao atirar-se para o chão, com a sua arma cobrindo a cara. Havendo aí uma pequena cova por debaixo da arma, onde ao cair, a granada rolou indo rebentar mesmo por debaixo da arma, para o azar do aluno, este acidente provocou a perda de uma vista, mas graças a Deus, não morreu.
Evacuado para o Hospital, nunca mais soube o que se passou com dele.
Rajadas de metralhadora em que sentíamos a balas a passar por cima de nós faziam-se sentir.
Exercícios de tiro em como responder a uma emboscada, e como fazer um contra-ataque.
Refeições eram às vezes fornecidas pela Escola; outras vezes, eram rações de combate para nos irmos habituando a elas.
Fomos na altura apanhados por uma tempestade de chuva, vento e frio no topo da serra! Aqui sim, estávamos em pleno inverno.
Tentou-se acender fogueiras; mas nem com a ajuda de gasolina se conseguiu tornou-se impossível devido ao vento e chuva. O 2nd comandante de instrução, Xavier de Oliveira e depois de dois alunos terem desmaiado com o frio, resolve evacuar todo o pessoal para a Escola.
Fora requisitados autocarros e camiões e por volta das 10:00 da noite, ou um pouco mais tarde, o pessoal estava a caminho da Escola de Fuzileiros.
No dia seguinte, e como era próximo do Natal, fomos todos para casa de férias por uma semana para recuperar.

2 comentários:

  1. Muito interessantissimo e um relato maravilhoso.
    No decorrer da leitura várias vezes vivi a sensação que também a mim no Douro me ministraram essa preparação. Senão vejamos: - Descalços deitando as redes ao Sável e à Lampreia a qualquer hora da noite.
    Deitados em barracas cobertas mato que chovia lá dentro como cá fora. Só de uma vez motivado por uma cheia três semanasnum areio a prescar.
    Jogos de futebol descalço e no areio onde o mesmo tinha godos enormes. De quando em vez dava para sangrar. A raação de cpmbate quando havia meia sardinha e um malga de caldo um naco der broa, por vezes cheia de bolor.
    A G3 e Pistola eram as fisgas de borracha. As granadas eram bolas de lodo que secas fazia-mos a guerra campal enão eram poucas as vezes que davam enchaços ou por vezes sangrar com pequenas pedras que tinham no meio.
    Se calhar depois deste testemunho vou ter direito a meias boina.
    Quanto ao Boxe:- Não era poucas as vezes que treinavamos uns aos outros.
    Muito Parabéns e na verdade e eu sei que a vossa instrução não era nada meiga e que nem os Comandos, nem os Ranger´s em Lamego se assemelhavam, mas também tinham uma preparação apuradissima.
    Quantos aos Fuzileiros Americanos. Para mim não é surpreza.
    Gostei imenso. Continua e muita força. Recordar é viver duas vezes. Não te esqueças do Velho Treinador e grande Campeão Ferrz

    ResponderEliminar
  2. A bateria descarregou e pregou-me esta partida de não poder corrigir. Mas percebe-se.
    Foi muito boa essa tua perfeita discrição e a prova que tens um memória de elefante.
    Um abraço.

    ResponderEliminar

Cancioneiro do Niassa Velhas picadas esburacadas Capim cerrado E o calor, sinto o suor Corpo cansado Moscas mosquitos Bichos esquisitos Ai é...